10 Fevereiro 2022
“Vivemos em um mundo diferente. E os cristãos não podem ignorá-lo ou esperar que as coisas voltem ao mundo que existia antes. Não é mais hora de lutar contra o tempo, contra a realidade. Além disso, a mudança de época que vivemos já tem profundas repercussões em uma religião, como a cristã, que se interessa pela boa vida de todos. Em todos os tempos os cristãos organizam sua própria presença na história para que a vida de todos possa florescer graças ao encontro com Jesus.”
A opinião é de Armando Matteo, professor de teologia fundamental da Pontifícia Universidade Urbaniana e subsecretário adjunto da Congregação para Doutrina da Fé convocado pelo Papa Francisco, em artigo publicado na coluna Opção Francisco, da Vita Pastorale, e reproduzido na íntegra por Settimana News, 05-02-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O primeiro artigo da série, pode ser lida, em português, aqui.
Eis o artigo.
A primeira coordenada da Opção Francisco pode ser indicada através de um pensamento do Pontífice: “O que estamos vivendo não é simplesmente uma época de mudanças, mas uma mudança de época. Estamos, portanto, em um daqueles momentos em que as mudanças não são mais lineares, mas de dimensão de época; constituem escolhas que transformam rapidamente o modo de viver, de se relacionar, de comunicar e elaborar o pensamento, de relacionar-se entre as gerações humanas e de compreender e viver a fé e a ciência".
Para o Papa Francisco, o nosso não é “um mundo que muda”, mas um mundo que já passou por uma mudança radical. Justamente, uma mudança de época. Essa expressão, embora evocando complexas reflexões sociológicas e antropológicas, quer sinalizar uma verdade muito simples: a diferença entre nós e nossos pais não está no simples acúmulo de coisas que eles não possuíam (celulares, carros híbridos, Dazn, Amazon...).
Claro, está nisso também. Mas a verdadeira diferença está no fato de que realizamos os gestos do cotidiano humano - como trabalhar, amar, pensar no futuro, educar, comer... - de forma qualitativamente diferente da deles. Ou seja, não vivemos apenas de outras coisas, mas vivemos o humano de sempre de uma forma milhões de vezes diferente da deles! Essa é a questão. Os novos objetos de hoje são como o indício de uma verdade mais profunda: é a maneira de estar no mundo como humanos que mudou profundamente hoje.
Só para dar um exemplo
Vamos tomar como exemplo as idades da vida: quando se envelhece hoje? A única resposta possível para nós é: nunca! Ninguém mais tem a intenção de se tornar ou ser idoso. Não temos mais espaço mental para algo como a velhice. Aqui está, ao vivo e em cores, a mudança de época!
Trata-se de um salto, o surgimento de uma diferença nos fundamentos da existência. E se trata de um evento tão radical que marca um verdadeiro divisor de águas. Com muitas conquistas, mas também com muitos desafios inéditos e decisivos. E mais ainda: o que resta dos e para os verdadeiros jovens - aqueles entre vinte e trinta anos - em uma sociedade onde todos se sentem e fazem de tudo para se sentirem jovens?
Eis o ponto: vivemos de forma diferente. Vivemos em um mundo diferente. E os cristãos não podem ignorá-lo ou esperar que as coisas voltem ao mundo que existia antes. Não é mais hora de lutar contra o tempo, contra a realidade. Além disso, a mudança de época que vivemos já tem profundas repercussões em uma religião, como a cristã, que se interessa pela boa vida de todos. Em todos os tempos os cristãos organizam sua própria presença na história para que a vida de todos possa florescer graças ao encontro com Jesus.
Pois bem, a nova maneira de pensar e de agir do humano de hoje – ou seja, a mudança de época – acaba com a pastoral herdada, aquela forma de dar o alimento (o pastor é aquele que dá o "pasto") aos homens e às mulheres em vista de sua vida boa, que felizmente pudemos usar até hoje.
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